Conteúdos são registros orgânicos, produções que resultam da construção de conhecimento compartilhada pelo grupo, que formam um todo inteligível e comunicável sobre determinada realidade já que Conteúdo vivo é construído não é dado.
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Nas práticas Interativas o uso da expressão “Conteúdo” não significa uma informação/dado específicos de uma área de conhecimento e sim, um próprio conhecimento que se condensa na medida em que transforma o contexto em que se insere.
Nesse sentido, reforçamos a ideia de que ninguém se apropria de conteúdo, posto que conteúdo emerge de interações linguísticas sobre as quais se constitui. Estamos assim, quando no contexto do trabalho pedagógico da Interativa, atentos ao alerta dado por Piaget (1997) em que “a criança vive a necessidade de uma construção progressiva das suas estruturas lógicas”. Somos conscientes também quanto ao que revela Paulo Freire (2011), quando pontua que “linguagem e realidade se prendem dinamicamente”, algo diverso do estabelecer conceitos e procedimentos prévios a serem “absorvidos” no aprendizado.
Disso decorre que não existem informações/dados prévios a serem ensinados e sim, saberes individuais sobre um assunto que somados, constituem um domínio coletivo de saberes que orienta ações cujo produto pode ser dito Conteúdo. Nesse investimento encontramos suporte em autores que defendem o isomorfismo entre o que se faz e o que se ensina (Niza, 2009). Da mesma forma, entendemos que a aprendizagem resultante desse processo depende de mudanças (intercâmbios) nas conversações decorrentes das interações dos conversadores, o que rechaça o sentido “de cima pra baixo” dado por alguns modelos educacionais (Garcia, 1999; Cruz, 2006; Bolívar, 2006, Imbernon, 2002, 2009).
As ações realizadas na primeira atividade do dia letivo, fazem referência à construção de conteúdos que emergem das interlocuções do conversar sobre um assunto, relevando-se aí, as variadas conexões e vias de acesso às contribuições individuais - saberes que podem ser lógicos, afetivos, ou de qualquer natureza - todos legítimos na expressão das individualidades dos participantes.
Temos assim, no âmbito das conversações, a construção de um enredo que se amplia e fortalece com as contribuições de cada conversador, diversificando e enriquecendo o espaço de trocas em que essas conversas ocorrem. A compreensão e aceitação desse fato tornam a participação isenta de valores relativos à categoria da qual elas surgem, como marcadores sociais de raça, credo, classe.
No contexto da Unidade, a contribuição do professor está voltada para as coerências operacionais do pensar dos conversadores, diferentemente de conduzi-las previamente por qualquer critério. Ao professor compete buscar pertinência e coerência entre as contribuições que fortaleçam o que está sendo construído pelos conversadores, sempre atento ao respeito e aceitação dos saberes dos participantes.
Podemos aferir se houve ou não produção de “conteúdos” observando se houve ou não mudança no pensar, expresso na linguagem dos conversadores. As evidências são vistas na incorporação das contribuições dos pares, no exercício do conversar e na prática do escrever. Nesse particular, entendemos por mudança a possibilidade dos conversadores terem incluído em suas considerações as contribuições de seus parceiros, que podem ser identificadas no discurso e na condução das abordagens subsequentes.
O registro gráfico da produção resultante desse processo, pode ser equiparado à “matéria”, o “ponto” do ensino disciplinar. A linguagem erigida socialmente é rica, prolixa, diversificada facultando ao participante uma elaboração individual detalhada e correta em relação à norma culta, pronta para ser lida e compreendida, para o retorno à comunidade escolar e a quem possa interessar.
É muito frequente encontrarmos significativas resistências a esse exercício, traduzidas na postura de defesa de pontos de vista, apoiados em informações pessoais, no “ouvi falar”, ou seja, em categorias de pseudo conhecimento. Embora válida, no espaço escolar, essa forma de conhecimento deve ascender à categoria de conhecimento formal, histórica e socialmente construído (Santos,1989). Ao professor compete estimular a mudança de categoria na expressão do conhecimento, possibilitando ao aluno avançar na construção de suas habilidades cognitivas pelo exercício de interações linguísticas exigidas por esse âmbito de trabalho.
A recorrência às contribuições geradas nesse exercício, garante a conservação do caminho construído no caminhar coletivo das conversações e não é uma meta pré-estabelecida pelo controle de sua trajetória. A observância desse item faculta a continuidade da construção do caminho que se faz a cada momento, impedindo que, a cada vez que se retome a conversa, tenha-se que começar do zero. Decorre desse fato, além da economia do tempo, que o percurso do caminho construído, torna-se cada vez mais acessível, possibilitando o avanço mais rápido a novas etapas de sua recorrente construção.
Essas observações fazem referência ao caráter pedagógico das ações realizadas no espaço escolar, porquanto nem tudo que se realiza nesses espaços pode ser assim denominado.
As interações linguísticas se alimentam do saber de todos, conferindo ao espaço de trocas a dimensão plural. Conversas que ascendem à interações linguísticas resultam em aprendizado que podem evoluir à categoria de conhecimento quando incorporado às ações de quem os construiu.
A recorrência desse processo formativo torna cada vez mais claro e disponível o espaço caminhado, o que faz o caminhar mais firme e seguro. Por outro lado, o construído se conserva na memória que evocado, como uma onda, revisita inúmeras vezes o mesmo chão, reorganiza o que está sobre ele, tornando tudo mais acessível, seguro e previsível. Vivamos a paz.
Com afeto,
Adal.
Referências
BOLÍVAR, Antonio. La identidad profesional del profesorado de secundaria: crisis y reconstrucción. Málaga, España: Ediciones Aljibe, 2006.
CRUZ, M. F. Desarrollo profesional docente. España: Grupo Editorial Universitario, 2006.
GARCÍA, C. M. Formação de professores para uma mudança educativa. Lisboa: Porto Editora, 1999.
IMBERNÓN, F. Formação Docente e Profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2002. 3. Edição.
IMBERNÓN, F. Formação permanente do professorado: novas tendências. São Paulo: Cortez, 2009.
PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. Rio de janeiro: Forense Universitária. 1997. 22ª ed.
NIZA, S. 2009. Contextos Cooperativos e Aprendizagem Profissional. A Formação no Movimento da Escola Moderna. In J. Formosinho (coord) Formação de Professores – Aprendizagem profissional e ação docente (pp. 345-362). Porto: Porto Editora. SANTOS, B. S. Introdução a uma Ciência Pós-Moderna. Porto: Afrontamento, 1989. 6ª edição